“São Bernardo” e adaptando livros para o cinema

Adaptar uma obra literária para o cinema ainda carrega o estigma de ser, na maioria das vezes, uma tarefa que ingrata, independente da tentativa ter sucesso ou não. Passados mais de cem anos desde as primeiras adaptações para o cinema, ainda não ultrapassamos concessos reducionistas como “mas o livro é sempre melhor” e questionamentos relacionados. “São Bernado”, longa de 1971 dirigido e adaptado por Leon Hirszman é um projeto que pode ajudar a elucidar as maneiras de como um livro pode gerar um filme que dialogue ao mesmo tempo que expande as intenções de seu escritor. E quando se trata de um escritor como Graciliano Ramos, o sucesso numa empreitada dessas só pode significar que estamos vendo formar em nossa frente uma obra-prima do cinema.

Othon Bastos, gigante, é Paulo Honório, aquele ser rudimentar, um mascate que se torna dono de terra ganancioso, materialista até nas relações pessoais. Maltrata seus funcionários, trata com indiferença os ‘amigos’, e certo dia acorda e decide que precisa se casar pois planeja conceber um herdeiro, ou seja, alguém para continuar a manutenção de São Bernardo, a fazenda que ele ‘recriou das cinzas’. O homem, então, ganha esse caráter desbravador, de rei, criador, e todos ao seu redor devem se curvar.

Graciliano é conhecido por sua prosa sucinta, adaptada ao local onde a narrativa se passa – quando terminou “São Bernardo”, o autor disse que seria necessário “traduzí-lo” para o “brasileiro” -, então nada mais justo do que uma produção cinematográfica que trabalhe também com essas intenções. Isso adquire uma metáfora visual que valoriza a escolha dos enquadramentos, muitas vezes longos, distantes, como se a distância que Paulo mantêm daqueles que o cercam se traduzisse numa câmera distante, pouco participativa. Quando Madalena, Isabel Ribeiro, entra em sua vida, o filme escolhe novas maneiras de mostrar as relações desse bruto dono de terras, assunto explorado muito bem nessa crítica de Luís Alberto Rocha Melo para a Contracampo.

Ao entender o ‘espírito’ da obra, “São Bernardo”, ainda fazendo as concessões necessárias por conta de duração e de ritmo – e ainda lamento a não inclusão de seu Ribeiro, personagem muito encantandor no livro -, se tornou tão vital para o cinema brasileiro que, por consequência, possui uma influência e competência tão fortes que  qualquer outra tentativa de adaptação do material me parece inútil. Nem todo projeto precisa ter esse caráter definitivo, também não sou de reclamar se tiver quando o resultado final é “São Bernardo”.